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Sempre que o pêndulo se desloca até um extremo, o movimento de resposta é para o lado oposto. O pêndulo da política no Brasil se movimentou. Já está fazendo o caminho de volta.
José Cássio Varjão
Alguns personagens do ambiente jornalístico no Brasil, a chamada grande mídia, militantes partidários dentro da imprensa, tanto digital quanto impressa, fazem análises manipulatórias, principalmente em época de eleição. Os principais portais e seus renomados personagens destacaram que o PSD (Partido Social Democrático), presidido por Gilberto Kassab, é o grande vencedor das eleições, com 887 prefeituras, salientando efusivamente que a centro direita sobrou nessas eleições. Seguindo, vem o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) com 856 prefeituras. O PP (Progressistas) ficou em terceiro lugar, com 747 prefeituras. Uma análise rasa, sem a profundidade real da posição desses partidos dentro do ambiente político atual.
Em 2022, a união de 10 partidos venceu as eleições, com a coligação Brasil da Esperança, que foi formada pelo PT, PC do B, PV, PSB, PSOL, Rede, Solidariedade, PROS, Avante e Agir, no primeiro turno. No segundo turno, declararam apoio à Candidatura Lula, o PDT, PCB, PSTU, PCO, Cidadania e Unidade Popular, perfazendo 16 partidos, a maior coligação que o PT (Partido dos Trabalhadores) já fez em disputas presidenciais. Nos primeiros dias após a proclamação do resultado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o presidente eleito para o quadriênio 2023/2026 e o seu partido começaram diálogos com o MDB, PSD e União Brasil, para composição da base parlamentar do novo governo. Uma ala do PP também compôs essa base.
Atualmente, no governo federal, o PSD tem três ministérios: Agricultura, Pesca e Minas e Energia. O MDB tem três ministérios: Planejamento, Cidades e Transportes. O PP tem um ministério: Esporte. Seguindo, o Republicanos, de Tarcísio de Freitas, com um ministério: Portos e Aeroportos. Até o União Brasil, do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, tem inacreditáveis, dois ministérios: Turismo e Comunicações. Nesse período de final de eleições municipais, qual o fundamento para que se separe a realidade nacional dos resultados municipais, como se de fato houvesse vencedores e perdedores para além das disputas municipais e suas peculiaridades?
Apesar de o Presidente da República, com a chamada Frente Ampla, ter abrigado parte considerável desses partidos no seu ministério, chegamos às eleições municipais de 2024 com os núcleos dos partidos da base comportando-se autonomamente. O PSD, que é base do governo do estado de São Paulo, com Gilberto Kassab, secretário estadual de Governo, ligado a Tarcísio de Freitas, elegeu 206 prefeitos, ou 32% das prefeituras do estado.
O PSD da Bahia, presidido pelo senador Otto Alencar, ligado ao grupo do governador Jerônimo Rodrigues, elegeu 115 prefeitos, ou 27,5% das prefeituras do estado. No Paraná, o governador Ratinho Júnior (PSD), ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, elegeu 164 prefeitos, ou 41% das prefeituras do estado. Como noticiado, o PSD elegeu 887 prefeitos no Brasil. Destes, 485, ou 54,6% dos prefeitos eleitos pelo partido, que são dos estados supracitados, pertencem a três correntes políticas distintas, completamente distantes entre si.
No MDB, idem. O prefeito eleito de São Paulo, Ricardo Nunes, é umbilicalmente ligado à Tarcísio de Freitas, que é cria de Jair Bolsonaro. O MDB da Bahia tem o vice-governador do estado, Geraldo Júnior, ligado ao governador Jerônimo Rodrigues. O MDB do Pará, do Ministro das Cidades, Jáder Filho, está ligado ao Presidente Lula. Sebastião Melo, eleito e reeleito prefeito de Porto Alegre, teve o apoio de Jair Bolsonaro.
Alguns partidos são chamados pejorativamente, na Ciência Política, de cacht-all, o pega-tudo, ou partidos de abrangência ampla, e procuram atrair o maior número possível de eleitores, independentemente de sua posição social, ideológica ou econômica. Em vez de se direcionarem a um grupo específico ou a uma ideologia única, esses partidos adotam uma postura flexível, adaptando suas mensagens e propostas para abranger diferentes segmentos da sociedade, o que os torna menos definidos ideologicamente. Suas principais características são a diversidade ideológica, com foco em questões pragmáticas; contam com lideranças carismáticas e com flexibilidade de alianças. No Brasil, alguns partidos possuem características catch-all, especialmente os grandes grupos que atuam em escala nacional e têm uma base eleitoral bastante heterogênea. Entre os principais, destacam-se: MDB, PSD, PP e PL. Todos eles fizeram parte do governo federal desde 2002, com Lula, Dilma, Temer e JB.
A dicotomia criada no Brasil nos últimos tempos, que reduz o espectro político em somente dois polos, direita e esquerda, se utiliza do termo extremismo, para melhor definição, mas se exime de fazer referência ao continuum
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A dicotomia criada no Brasil nos últimos tempos, que reduz o espectro político em somente dois polos, direita e esquerda, se utiliza do termo extremismo, para melhor definição, mas se exime de fazer referência ao continuum que vai da extrema direita à extrema esquerda, passando pela direita, centro direita, centro, centro esquerda e esquerda, e são classificados pela diferenciação dos grupos sociais, por razões ideológicas, religiosas, culturais, econômicas ou étnicas, as clivagens sociais. Pode-se incluir aí até o anarquismo.
De acordo com o cientista político Sergio Abranches, essa composição feita por Lula é chamada de presidencialismo de coalizão. Em artigo publicado em 1988, com o título de Presidencialismo de Coalizão – o dilema institucional brasileiro, Abranches define esse conceito “como uma combinação do presidencialismo, do federalismo e do governo por coalizão multipartidária”. Desta forma, “o presidencialismo de coalizão é um regime político institucional que foi moldado pela história da nossa república e contextos políticos, envolvendo as características acima”.
Trinta anos após a publicação desse artigo, em 2018, Sérgio Abranches faz um balanço reciclando o texto original, quando afirma: “A coalizão multipartidária é um requisito imprescindível da governabilidade no modelo brasileiro. Nem todos os regimes presidenciais multipartidários dependem tanto de uma coalizão majoritária. No Brasil, as coalizões não são eventuais, são imperativas. Nenhum presidente governou sem o apoio e o respeito de uma coalizão. É um traço permanente de nossas versões do presidencialismo de coalizão”, finalizou.
Com a frente ampla formada por Lula, em 2022, agraciando o União Brasil, de ACM Neto e Ronaldo Caiado, o PP, de Arthur Lira e Ciro Nogueira e o Republicanos, de Tarcísio de Freitas, soaria estranho afirmar que o Governo Lula 3, é um governo de centro direita?
A dinâmica eleitoral ao redor do mundo, há alguns anos, faz o pêndulo político global se inclinar à direita, sendo esse um movimento natural na política. Sempre que o pêndulo se desloca até um extremo, o movimento de resposta é para o lado oposto. O pêndulo da política no Brasil se movimentou. Já está fazendo o caminho de volta. O espectro político nas eleições de 2018, que estava com movimento direcionado à extrema direita, mostra a convergência do eleitorado para os partidos tradicionais de centro direita, aqueles partidos oriundos da antiga Arena (Aliança Renovadora Nacional). Daí surgem nomes como Ronaldo Caiado, Ratinho Júnior, Eduardo Leite e até Tarcísio de Freitas, com as bençãos da Faria Lima. Todos, com exceção de Tarcísio, já colocaram seus nomes como pré-candidatos em 2026. Até Paulo Guedes já demonstrou interesse de entrar na disputa.
De certa forma, eu sou cético em corroborar com opiniões sobre a definição dessa corrente ideológica chamada bolsonarismo. O movimento que teve seu auge político em 2018 é uma versão 2.0 do Integralismo de Plínio Salgado, evidentemente repaginado com o surgimento das tecnologias modernas, com robôs, algoritmos, fake news etc., é um evento efêmero, mais dia, menos dia, passará. Seu principal líder não se mostrou um político agregador, eficiente em manter as pontes que o fizeram chegar ao poder, deixando pelo caminho onze generais e outros tantos apoiadores de primeira hora, como Gustavo Bebianno. Trata-se de um personagem exaurido, que está sendo descartado a conta gotas. Outra situação que demonstra o enfraquecimento do ex-presidente foi o surgimento e o desempenho de Pablo Marçal, em São Paulo, demonstrando que o voto da extrema direita não tem dono, sem se esquecer, particularmente, de Bruno Engler em Belo Horizonte e André Fernandes em Fortaleza, com seus menos de 30 anos e muito tempo de política pela frente.
Para ser bem pragmático, eu nunca tive dúvidas de que a elite econômica e liberal do país, em breve, irá retomar o protagonismo dentro do cenário político nacional. O mesmo que tiveram atores políticos como Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Geraldo Alckmin. Logo surgirão outros representantes, um espaço que não cabe nem Lula nem Bolsonaro. Historicamente, sempre foi assim. É só lembrar a República do Café, atualmente, sem o leite. O pêndulo que se direcionou à extrema direita, pela falta de nomes palatáveis, viáveis dentro desse campo político, hoje sai muito bem-sucedida das eleições 2024.
José Cássio Varjão é cientista político.